segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Respeito pelo Ser Humano

    "A única coisa que temos de respeitar, porque ela nos une, é a língua." Franz Kafka

    Participei do III Seminário Nacional de Surdos da UFPR, neste final de semana. Ufa! Confesso que cheguei em casa cansada, afinal ver Libras, ouvir em Português, tentar encaixar uma língua na outra e ainda absorver o conteúdo transmitido, não foi fácil, mas muito gratificante. Foram muitos os assuntos, muita coisa para ser pensada e repassada, mas gostaria de me ater neste post a questão do respeito, que deveria ser intrínseco em qualquer um e à qualquer um, mas não é bem assim que ocorre. 

    Vivi minha primeira experiência de estar entre os surdos, e assim, em um ambiente onde a minha língua não era a predominante, embora muitas pessoas fossem ouvintes como eu. E passei por uma situação que acredito muitos surdos já passaram que é chegar num lugar sem intérprete.

    Cheguei atrasada para o mini curso, já tinha passado uns 30 min., e ao entrar na sala, percebi que não tinha intérprete e, o detalhe, estava sendo feito em Libras. Muitas coisas se passaram pela minha cabeça e acho que a primeira foi "Vou embora". Como foi difícil entrar em um ambiente onde não conseguia entender o que estava sendo dito. Já estou no Básico 2 de Libras e sou capaz de pedir um intérprete, mas quem disse que na hora eu consegui ao menos lembrar que eu sabia Libras. A sensação foi de impotência, de menos valia " Não sou capaz, como os outros que estão aqui, de entender essa língua".

    Foi preciso passar o primeiro impacto para que eu percebesse o que estava acontecendo.  Encontrei minhas duas amigas, ouvintes ... um porto-seguro. Elas me disseram que o intérprete estava lá, mas foi dispensado porque ninguém queria. Nisso consegui lembrar do que tanto se falou no dia anterior, o direito a um intérprete. 

    Ótimo, com a ajuda delas e com o respeito do Leandro Patrício (diretor da FENEIS do Paraná), foram chamar o intérprete. Um segundo sentimento apareceu nesse momento, "Estou atrapalhando os outros" e a minha reação foi pedir para continuar o curso. Mas estava diante de uma pessoa que sabe que os direitos devem ser respeitados e não é a pessoa que está sendo desrespeitada que deve ceder, mesmo sendo a minoria. 

    O respeito pelo qual fui tratada me surpreendeu. Foi uma experiência positiva, afinal eu tive meus direitos validados. Porém, não é isso que ocorre com os surdos na maioria das vezes. Muitos são os relatos de surdos que chegam na sala de aula e não encontram o intérprete ou em palestras, ou na propaganda política. A Prof* Dr * Silvia Andreis Witoski, relatou que na sua primeira aula de doutorado, ela não encontrou o intérprete prometido e que a sua primeira vontade foi a de abandonar tudo, porém, não desistiu e conseguiu seguir em frente. E hoje já fez até o pós-doc.  Então isso ocorre o tempo todo. 

    O que precisa prevalecer é a vontade de ir em frente, ter objetivos, metas a serem alcançadas, saber dos seus potenciais e das suas capacidades e acreditar nelas, mesmo que tudo e todos ao seu redor digam o contrário. Volto a ressaltar, não é fácil, ao contrário, as dificuldades aparecem a todo instante e quando menos esperamos. Foi difícil para mim, mesmo recebendo o respeito, imagino para o surdo que tem que lutar a todo instante, a cada passo, pelos seus direitos. 

    Acredito que os acontecimentos provocam mudanças , depois de 1, 2, 3 vezes que os direitos vão sendo reclamados as coisas vão se modificando. Por isso é importante que o surdo não desista, para que tenha seus direitos da mesma forma que eu tive, sem precisar brigar por eles. 

    Gostaria de saber a sua opinião, ou sua experiência com a falta de um interprete para que possamos ampliar esse assunto.

    Até o próximo post.

    ·          

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

CONHECIMENTO E O MUNDO CORPORATIVO

"Mais que o Relacionamento e sua Trajetória apenas o 'Conhecimento' leva o Homem a Dominância e o torna Competitivo no Mundo Corporativo" Andrelino Marcos Ferreira Lopes
Fiquei pensando no meu último artigo, sobre a importância do contato entre o surdo e o ouvinte, em como trabalhar isso dentro das empresas, mas alguma coisa ficou me incomodando. Conversando com o Andrelino, uma pessoa que, como ele mesmo disse, sempre atuou nas empresas focando o Capital Humano e seus limites a serem superados, sua frase elucidou minhas dúvidas.

O conhecimento é um ponto importantíssimo nessa busca por um lugar digno dentro das organizações. O estudo empodera a pessoa, dando-lhe mais segurança para enfrentar o Mundo Corporativo, permitindo que ela sonhe e mais, busque e realize as suas expectativas. 

Segundo as pesquisadoras Marin e Góes, os surdos que trabalham como instrutor de libras estão mais integrados e felizes. Na pesquisa, isso é atribuído ao fato de estarem dentro de um ambiente que os valorize, além de estarem em contato com a comunidade surda. 

Porém, acredito que vai além. A possibilidade de uma profissão, a necessidade de estar sempre atualizado e principalmente a valorização pelo seu trabalho o tornam mais felizes. Confirmam sua autonomia e mais, suas potencialidades, aumentando sua autoestima e seu potencial.

O estudo é fundamental na vida de qualquer pessoa, desde a educação infantil até a pós-graduação, o conhecimento vai sendo agregado e vai agregando na vida de cada um, independentemente de suas dificuldades, raça, credo, condição social.

Muito se tem falado sobre a educação dos surdos, da fundamental importância da Libras como primeira língua e do ensino bilingüe nas escolas. Muitas pesquisas já foram realizadas e outras tantas estão em andamento. As barreiras enfrentadas pelos surdos nessa jornada educacional são muitas, e a comunicação é a principal. Diante das dificuldades, muitos surdos abandonam seus estudos antes mesmo de completarem o ensino médio. Aqueles que conseguem alcançá-lo deparam-se com uma barreira enorme que é o acesso ao ensino superior.

E é nesse momento que o ingresso no mercado de trabalho, ou a procura por melhores qualificações, se dá. E independente de ser surdo ou ouvinte, faz diferença ter ou não ter esses conhecimentos. 

Pouco se tem investido na acessibilidade dos surdos na graduação. As Universidades precisam assumir suas responsabilidades na formação do conhecimento global que abrange a sociedade como um todo. Permitindo o acesso dos surdos ao nível superior (através de vestibulares adaptados e intérpretes nas aulas), possibilitarão a eles chances de estudarem e mostrarem suas potêncialidades e habilidades para se tornar Competitivo no Mundo Corporativo.



Esse blog foi criado pensando num lugar para debates, sinta-se à vontade para colocar sua opinião! 

Até próximo post.

Referencia:


Marin, Carla Regina e Góes, Maria Cecilia Rafael. A experiência de pessoas surdas em esferas de atividade do cotidiano. Cad. Cedes, campinas, vol. 26, n.69, p. 231-249, maio/ago.2006.


quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O CONTATO ENTRE O SURDO E O OUVINTE NO AMBIENTE DE TRABALHO




“Qualquer relacionamento entre duas pessoas se torna uma criação quando o contato entre elas tem a fluência e a sensação de transformar recíproco” Joseph Zinker



O contato entre as pessoas é algo pelo qual eu estou sempre interessada, prestando atenção, observando. Um fato bastante relevante que tenho estudado é o contato entre o surdo e o ouvinte no ambiente de trabalho. Como esse encontro é estabelecido e em quais circunstâncias? É uma questão que gostaria de compartilhar.


É comum ouvirmos dos surdos que eles não conseguem se relacionar com os outros funcionários, que são colocados de lado e algumas vezes até descriminados. Fiquei intrigada, problemas de relacionamento existem em todas as relações, mas muito se tem feito para melhorar as relações nas empresas.


E entre o surdo e o ouvinte, o que pode ser feito?


O ouvinte, ao entrar na empresa, vem com expectativas sobre o seu trabalho e os colegas que irá encontrar e que são colocadas em confronto com a entrada do surdo (Goffman, in Viana). Muitos nunca tiveram contato com uma pessoa surda e não sabem que os surdos são tão capazes quanto elas em suas capacidades laborais e pessoais. O que sabem é que ela entrou na empresa por conta das cotas para deficientes.


Acredito que as instituições precisam preparar seus funcionários, apresentando o conceito de pessoas surdas no que se refere a sua diferença linguística e não como portadora de uma deficiência. Ao apresentar a surdez para os colegas, tira-se deles os pré-conceitos existentes, possibilitando que o surdo seja recebido como um sujeito igual permitindo um contato autêntico entre eles.


A comunicação é a melhor forma para a integração. No caso entre o surdo e o ouvinte eles possuem uma língua diferente e é esta barreira que precisa ser quebrada. Se o surdo for bem recebido por seus colegas, de uma maneira igualitária, ele se sentirá mais seguro, mais confiante para o seu novo desafio e capaz de estabelecer uma relação verdadeira e ultrapassar as questões da língua.


O surdo também precisa se prepara para sua entrada na empresa e penso que conhecer o português é muito importante, assim como apresentar a Libras para os ouvintes proporcionará uma maior interação.  


Acho importante destacar, assim como  Marconcin (2013), que se deve tomar cuidado para que não ocorra o assistencialismo, para não difundir a ideia de que “o surdo é incapacitado e que precise de algum tipo de privilégio ou concessão subestimando sua capacidade intelectual, criativa e produtiva”.


A preparação do ouvinte para receber o surdo possibilita uma relação mais harmônica. São dois sujeitos diferentes que estão se conhecendo, percebendo e identificando as diferenças e igualdades do outro para então conviverem como duas pessoas convivem, com suas semelhanças e diferenças.



Referencias:

·         Marconcin, L. et Al. O olhar do surdo: traduzindo as barreiras no ensino superior. Ensaios Pedagógicos. Revista Eletrônica do Curso de Pedagogia das Faculdades OPET – junho de 2013. ISSN 2175-1773 - http://www.opet.com.br/faculdade/revista-pedagogia/pdf/n5/ARTIGO-PRISCILA.pdf visto em 28/08/2014.

·         Viana, A. S. A inserção dos surdos no Mercado de trabalho: políticas públicas, práticas organizacionais e realidades subjetivas. Trabalho de Mestrado. Universidade do Grande Rio, 2010 - http://www2.unigranrio.br/pos/stricto/mest-adm/pdf/dissertacoes/dissertacao-alvanei-dos-santos-viana.pdf visto em 28/08/2014.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

LINKEDIN NÃO TEM LIBRAS ... MAS O QUE É ISSO?



“Cada palavra escrita e cada gesto encontram-se como irmãos. Por vezes como gêmeos” Emmanoelle Laborit, atriz surda

Libras – Língua Brasileira de Sinais, língua que é utilizada pelos surdos para se comunicarem.

Libras não é uma palavra, um conceito de domínio público, do senso comum, embora para nós da área da surdez, seres apaixonados por ela, seja óbvia. Mas não podemos nos deixar levar por essa paixão sem perceber que a palavra Libras não está amplamente difundida na sociedade.

Divulguei o blog para todos os meus amigos e não foram poucos que me falaram “Legal sua página, já curti, mas ... o que é Libras?”

Nesse mesmo momento, estava atualizando meu currículo no Linkedin (site de relacionamento profissional), toda satisfeita, pois tinha um idioma para colocar (básico, mas em aperfeiçoamento diário) e qual não foi minha surpresa quando procuro por Libras e nada. Tentei Língua e apareceu “Língua DOS Sinais”, quando o correto é Língua DE Sinais. Acho que foi a minha primeira indignação no assunto. Ficou claro que eles não têm a menor ideia do que se trata. E não é porque existe um campo restrito, ao contrário, pois achei crioulo e pidgins baseado no inglês, balúchi entre outros.

Acho que esse é um bom tema para começarmos nossas conversas, sobre o surdo e o mercado de trabalho. Como podemos pensar em inclusão se os profissionais que contratam não sabem que existe uma língua de sinais para se comunicar com os surdos e ainda mais preocupante, que nunca pensaram no surdo como um funcionário e muito menos como um par ou até superior?

Como o surdo será respeitado pela sua língua se as pessoas nem a conhecem, nem sabe da sua existência. Torna-se urgente a necessidade de se disseminar essa verdade. Nas universidades já existe uma matéria, opcional, mas é uma forma de divulgação. Nas escolas, as crianças poderiam tomar conhecimento da sua existência. Muitas amigas hoje sabem o que é por causa da música da Xuxa, na década de 80. A música marcou, mas e se fosse dado pelas professoras, o alcance não seria muito maior?

Saber da existência da Língua de Sinais é um caminho para saberem da existência do surdo como pessoas iguais que pertencem ao mundo.

Ah! Mandei uma mensagem para o Linkedin, explicando inclusive, que são muitas as línguas de sinais, uma para cada país, ou até mais, ASL (Língua Americana de Sinais), LSF (Língua Francesa de Sinais), AUSLAN (Língua de Sinais Australiana) entre outras. Porém recebi uma resposta automática, o que quer dizer que não leram, se alguém souber como chegar até eles envie o contato.

Até o próximo post.

Beijos

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

EU E LIBRAS



“A mudança é contínua e inevitável, atualizarmos-nos e nos (re)apresentarmos constante e deliberadamente é uma escolha” Abel Guedes





Meu caso com Libras é antigo, sempre admirei os surdos conversando, eram crianças, como eu, felizes, por vezes bravos, mas estavam sempre em grupo, sempre se olhando. Quando um não olhava era cutucado pelo outro até ele olhar, não dava para ignorar, não dava para ser ignorado. Acho que sou capaz, até hoje,  de ver algumas expressões em seus rostos. Bons tempos de Aclimação (bairro onde morava)


O tempo passou, saí da Aclimação, me tornei administradora, psicóloga, casei e mudei, e por motivos ainda não desvendáveis, depois de todo esse tempo, resolvi aprender Libras e descobri que é uma língua, que existe uma comunidade surda e uma infinidade de possibilidades de interações entre minha curiosidade, lazer, estudo e trabalho.


Já são 8 meses de paixão e estudo. Ainda tenho um longo caminho pela frente para alcançar a fluência  necessária para  conseguir  chegar até os surdos e conversar com eles daquele jeito solto, leve e verdadeiro que eu admirava tanto. Já estou no caminho.


E nesse andar algumas possibilidades / expectativas estão se configurando. A psicóloga e a administradora começaram a se olhar e pensar juntas em algumas oportunidades de trabalho. Integrar minhas polaridades, isso me agrada. E junto com a língua, percebi que existe um vasto campo de estudo. Resolvi ler sobre o surdo, a surdez, a libras e o mercado de trabalho que estava inserido em vários textos. 


O blog surge com a necessidade de compartilhar as várias ideias, indagações, conhecimentos que vão surgindo a cada linha que vou lendo. As ideias vão surgindo e pipocando dentro de mim, com uma força que não consigo controlá-las. Nunca experimentei colocá-las para fora, até agora. Resolvi escrever, para dar voz a todas essas questões e conhecer o alcance delas. 

São coisas novas que vão juntando com algumas ideias antigas, a cabeça não para de funcionar. Quero abrir um espaço para debates, com diversos olhares, de diversos lugares, do ouvinte, do surdo, do trabalhador, do estudante, dos profissionais e outros. Quero trazer conteúdos relevantes para estimular comentários, reflexões e discussões a respeito do surdo, da surdez e do mercado de trabalho. Todos pensando juntos para que mudanças ocorram no sentido de apoderar o surdo do seu lugar na sociedade.


Duas outras ideias ainda existem dentro de mim, atender os surdos no consultório e fazer um mestrado, mas vou com calma, um passo de cada vez.


Bom trabalho para nós.


Até o próximo post.


Beijos